quinta-feira, 22 de julho de 2010

Escolhas profissionais e felicidade

Outro dia soube que um amigo abandonou o mestrado.

Ele não trancou a matrícula para continuar num outro momento, não pediu prorrogação de prazo nem mudou de área, o que fez foi desistir do curso definitivamente. Um curso, vale ressaltar, numa universidade pública, numa área concorrida e promissora profissionalmente.

Uma atitude certamente incompreensível, até mesmo inaceitável se considerarmos o mercado de trabalho, a necessidade de especialização profissional, o prestígio de um curso numa universidade renomada, dentre outros fatores que podem influenciar no sucesso da carreira e no exercício da profissão.

Claro que não são todos os cursos em uma universidade pública que garantem uma carreira promissora e se alguém decide abandonar um curso que oferece pouco retorno profissional e financeiro é até mais compreensível e aceitável.

Mas conseguir ingressar num mestrado nessas condições e jogar tudo para o alto no meio do caminho é quase uma heresia acadêmica e profissional.

Por outro lado, por que sempre é tão difícil compreender uma decisão que não esteja alinhada ao que parece ser “o melhor”? Afinal, existem parâmetros óbvios que podemos tomar como referência para uma decisão desse porte, não é mesmo?

No contexto das opções no universo acadêmico, por exemplo, pedir transferência de um curso como Arquitetura e ir para a Geografia ou sair do Direito e ir para História ou mesmo prestar Letras ou Ciências Sociais (Filosofia, então, nem se fala) ao invés de Administração ou Engenharia - ainda mais se a pessoa é considerada “inteligente“ e bem preparada para o vestibular - é algo igualmente incompreensível na maior parte dos casos e já vi muita peleja entre pais e filhos por causa desse tipo de decisão.

A questão é que o parâmetro para o que “é melhor” não tem como foco o que a pessoa quer, o que sente, o que gosta e o que a faz feliz. O que torna absurda uma atitude como a tomada por este meu amigo são as considerações feitas por essa sociedade racional e mercadológica, na qual o importante é você fazer algo em que esteja implícito o sucesso profissional e financeiro, independente se isso te faz feliz ou não.

Aliás, como pude me esquecer? Nessa sociedade é piegas falar em felicidade baseada numa referência mais interna e pessoal, afinal, se você é alguém de sucesso, que conseguiu “chegar lá”, com certeza será feliz, não é assim? Infeliz com certeza será aquele que se contenta com pouco, que tendo a oportunidade de fazer um curso de alto padrão e reconhecimento social opta por um daqueles cursos que já falei aqui, que formam profissionais pouco valorizados socialmente e no mercado de trabalho, leia-se, especialmente, professores.

Assim, não é incomum ouvir a história de um advogado frustrado que queria ter feito Música ou Artes Plásticas, de um engenheiro que queria ser historiador ou filósofo, de um jornalista que queria ser ator, porque ainda há jovens às pencas que entram na universidade influenciados - e até mesmo obrigados - não pelo que querem, mas pelo que seus pais acham que é melhor para eles, baseado nesse pressuposto de que se o cara quer fazer arte, teatro ou filosofia, depois vai viver do quê? Não, precisa fazer um curso que garanta seu futuro, então tem que ser Engenharia, Medicina, Administração. Não importa muito se o cara vai ficar frustrado em seus desejos, naquilo que quer e que o faz feliz, o importante é que tenha um “futuro profissional”.

Mas como eu já disse, ser feliz para quê, não é?, o importante é ser uma pessoa de sucesso, com um trabalho promissor, que garanta adquirir todos os bens de consumo que a sociedade impõe como necessários para que, aí sim, sejamos felizes. A felicidade, nesse contexto, não é fazer escolhas que estejam de acordo com o que queremos de verdade, com o que faz sentido ou nos completa, mas fazer escolhas que garantam retorno financeiro e um determinado padrão social.

Observe, no entanto, que é possível ser professor ou artista e viver disso profissionalmente. Talvez seja um pouco mais difícil porque no mundo capitalista não há tanta necessidade de arte nem de educação, então, para que valorizar profissionais dessas áreas? Mas, ainda assim, seguramente é possível viver dignamente tendo essa formação.

A questão é que ser feliz na sociedade contemporânea implica muito mais que viver dignamente, há um conjunto de supostas necessidades materiais que precisam ser supridas e que com um salário mais modesto às vezes fica complicado.

O fato é que, neste mundo contemporâneo, fazer escolhas que não estejam dentro dos padrões aceitáveis da organização racional-capitalista gera pressão social e faz com que esse tipo de atitude pareça absurda. Mas é absurdo abandonar o que não faz sentido e nem faz feliz? É absurdo largar algo que não foi exatamente escolha própria, voltar atrás quando percebemos que fomos enredados pelas escolhas dos outros, sejam nossos pais, seja a sociedade? É absurdo abandonar algo que nos disseram que era o melhor porque garantia sucesso, progressão profissional e financeira se, na verdade, não é isso que queremos realmente?

Em prol de quê há que se seguir um caminho assim? Para não desagradar aos pais? Porque eles acham que é o melhor caminho? Porque tivemos oportunidade em meio a tantas outras pessoas que tentaram e não conseguiram? Porque isso garantiria o sucesso profissional?

Bem, sempre é possível ir na contramão desse padrão de escolha e sentir-se muito feliz. Foi o que fez meu amigo ao abandonar seu mestrado na USP.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Improvável

Imagem: www.improvavel.com.br
Há umas duas semanas um grande amigo me convidou para assistir um espetáculo que está em cartaz no Tuca. “Os Improváveis”, ele disse, comentando que era uma peça concorrida porque estava fazendo muito sucesso: ele havia comprado ingressos com quatro meses de antecedência. Depois, um dos atores comentou que o nome da peça é “Improvável”; parece que é comum a confusão, talvez porque o público associe o título aos vários atores e não à improvável proposta.


O fato é que eu não sabia nada sobre a montagem, então fui inocente ao que pensei apenas ser o que chamo de “programa cultural pop”.

Chegando lá, aquela primeira situação que paulistano está acostumado e normalmente reclama muito: o cara que, teoricamente, vai olhar seu carro e quer 10,00 antecipados pela vaga. O problema começa aí, freqüentar lugares assim sem ter o poder aquisitivo de quem freqüenta. Nem eu nem meu amigo tínhamos 10,00 para pagar o cara, o dinheiro estava contado, essas coisas de gente dura que insiste em não abrir mão de programas culturais.

Claro que a primeira sensação que vem é aquela de exploração, afinal, a rua é pública, 10 reais é muito caro e, provavelmente, quando você sair do teatro o cara não vai estar mais lá, como aconteceu de fato. Mas esse é o tipo de coisa que acho que precisa ser examinada num contexto mais amplo, afinal, mesmo sem grana e estacionando num carrinho popular, quando comparamos nossa situação com a daquele sujeito que estava ali àquela hora tentando ganhar a vida e não em casa descansando ou tendo a oportunidade de entrar no Tuca fica interessante questionar quem é o verdadeiro explorado nessa história.

Já no teatro, tive a sensação de estar nos bastidores de alguma novela, como se estivesse num “outro” Brasil, que você não vai ter contato andando pelas ruas. Mesmo andando por lugares como a Avenida Paulista, que continua sendo uma rua nobre de São Paulo, cores, estilos e formas se misturam, mas é como eu já disse antes, era um programa “pop”, nada mais razoável do que encontrar ali “pessoas pop” também.

Quando o apresentador entrou em cena parte da platéia foi ao delírio – a peça é como se fosse um programa de TV, com vários quadros diferentes e em cada um desses quadros acontece uma ou várias cenas improvisadas a partir de sugestões feitas pelo público. Pensei estar num programa de televisão no momento em que um ator famoso entra no palco. Gritos e aplausos precediam e eram reforçados após as piadinhas naquela primeira parte, que meu amigo explicou como sendo um tal de “stand up comedy”.

Depois entraram os outros atores e aí eu tive dúvidas se realmente não estaria na TV, porque aos gritos e aplausos acrescentaram-se palavras gritadas tais como “lindo” e “gostoso”.

Chocada com tantas demonstrações, a meu ver, exageradas, meu amigo me explicou que este espetáculo estava há bastante tempo em cartaz, que era um grande sucesso na internet, o que deve justificar que quase um terço da platéia daquele dia estava ali, não pela primeira vez, prestigiando empolgadamente o “Improvável”.

É possível que seja essa empolgação que faça o espetáculo parecer melhor do que realmente é, porque, a meu ver, embora algumas cenas tenham sido boas, a maior parte deixou muito a desejar. Isso porque talvez seja mais fácil, por exemplo, improvisar uma cena e inserir nela uma determinada frase do que elaborar uma cena que tenha como mote a mesma frase. O que ocorreu foi um pouco isso, à medida em que a proposta para cada quadro/ conjunto de cenas ficou mais complexa as cenas foram ficando mais pobres e menos engraçadas, algumas até de mau gosto, como em uma proposta que tinha como mote uma frase do tipo “o que não fazer em um teatro de fantoches” e os atores fizeram duas cenas com alusões à manipulação do animador de fantoches, que estaria com os dedos no ânus dos bonecos.

Se a motivação principal da peça é improvisação e humor, considero um espetáculo mediano, que não tem nada de excepcional, opinião que, seguramente, não é compartilhada pelo público fã do “Improvável” que, ao final, expressou sua aprovação de forma contundente, novamente com aplausos, gritos e assovios. Contudo, a meu ver, essas manifestações não demonstram a excelência do espetáculo, apenas explicam que o sucesso é muito mais devido ao público do que ao espetáculo em si.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Aviso aos navegantes

Como diria um historiador nato, contextualizar é preciso.

Qualquer coisa que você perguntar a um sujeito com essa formação correndo nas veias, dificilmente terá como resposta algo objetivo, sem contextualização prévia. Eu diria que é quase impossível para alguém assim explicar algo sem situar muito bem os fatos, afinal, dessa forma, seu interlocutor compreenderá melhor o assunto tratado.

Você pergunta como é possível que no Congresso brasileiro haja tanta corrupção, esperando uma discussão que gire em torno da falta de participação política da maior parte dos brasileiros, de questões envolvendo a educação básica ou ainda alguma responsabilidade envolvendo a mídia, mas não, o cara vai muito mais longe e, assim, começa a te explicar que essa situação tem raízes na formação do Brasil desde a época da colonização pelos portugueses, disserta sobre o momento político em que o Brasil deixou de ser colônia e passou a ser "Império" e por aí vai, até chegar aos tempos atuais.

Calma, existe um mito que talvez seja comprovado um dia: nem todos os formados em História são prolixos ou viciados em contexto.

Quanto a mim, aviso aos navegantes deste blog sobre algumas coisas que sempre encontrarão por aqui, e um pouco dos porquês disso.

E veja, não se trata de justificativas, o objetivo é contextualizar você.

1. Filhos.
Sim, tenho dois, sou ultra-coruja, mas para além das corujices sou educadora e estudiosa da educação e mãe bem-sucedida. Então falarei muito por aqui de nossos filhotes e assuntos afins, como educação, dilemas pais e filhos, a dureza que é educar filhos bem-educados nesse mundo complexo e complicado e tudo o mais.

2. Classe média.
Sim, concordo que não existe apenas uma classe média, que existem infinitas nuances quando pensamos as classes médias e que, nesse e em outros sentidos, o termo burguês é extremamente limitado quando utilizado nos termos que normalmente são usados por pessoas consideradas antiquadas politicamente, mas como uma quadrada que sou, adoro utilizar esse termo, porque acho que ele fala por si, por assim dizer.

3. Questão racial.
Se você gastar seu tempo por aqui, é possível que pense em alguns momentos "por que essa branca se preocupa tanto com isso", mas sim, a questão racial é algo que discuto e reflito e denuncio o tempo inteiro, talvez porque eu não acredite, em certo sentido, que haja realmente brancos no Brasil, talvez porque me incomode a ideia de que alguém acredite (ainda) que há democracia racial no Brasil, talvez porque eu ache que alguém que pense algo similar ao que citei no início do parágrafo realmente precisa ser incomodado com assuntos sobre a questão racial.

4. Gênero.
Sim, para mim a questão de gênero está presente em tudo e acho que é muito importante perceber as sutilezas nas quais, o tempo todo, aparecem questões que mostram como o machismo e a violência estão incrustados nas relações.

5. OutrAs.
Além disso, como já me falaram muitas pessoas queridas, eu sempre tenho algo a pitacar sobre tudo. Então farei isso aqui, palpitarei sobre tudo, inclusive o que nem é de minha alçada, como sobre filmes, montagens, a internet, enfim, tudo o que gosto de ficar analisando, que me chama a atenção e que em minha opinião pode contribuir, de alguma forma, para o tempo de quem, como eu já disse, gastar um pouco de seu tempo por aqui.