terça-feira, 30 de novembro de 2010

Monteiro Lobato, racismo e outras reflexões em meio ao Mês da Consciência Negra

Imagem extraída de www.lidebrasil.com.br
É bem possível que vocês nem desconfiem, mas tentei começar a escrever este texto lá pelo início do mês, quando pipocavam discussões sobre a polêmica em torno do suposto veto ao livro de Monteiro Lobato “Caçadas de Pedrinho” nas escolas públicas.

Contudo,  aparentemente, a discussão esfriou com o indicativo dado pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, de inserir notas explicativas em substituição ao veto, o Dia da Consciência Negra se foi e eu decidi, ainda que nos 48 minutos do segundo tempo, refletir aqui sobre algumas das tantas questões que me chamam a atenção quando se fala em temática racial no Brasil.

Logo que surgiu a polêmica, ouvi na Faculdade de Educação comentários indignados sobre a notícia de que o MEC queria tirar Monteiro Lobato das escolas públicas devido à discussão sobre racismo na obra “Caçadas de Pedrinho”. A discussão que se seguiu entre alguns dos pós-graduandos não me surpreendeu, girando em torno do caráter clássico da obra do autor, de estar situada em outro contexto e de Lobato ser um escritor reconhecido e renomado, além de tantos outros argumentos em defesa de sua obra, afinal, é mesmo indiscutível  a contribuição do escritor para a literatura brasileira em geral e a infantil em particular.

Imagem extraída de www.nacaomestica.org
Ademais, me parece que muitos acadêmicos da área de Língua Portuguesa e Literatura estão mais interessados em reafirmar o caráter clássico, sem dúvida inquestionável de algumas obras, do que debater o como esse caráter clássico está sendo (ou não) apreendido ao longo das décadas pelas diferentes gerações de estudantes.

Bem, se há estudiosos que se eximem do debate, o que esperar do sem número de palpitadores, opinadores e opinantes, brasileiros formados na chamada “democracia racial”? Numa vista rápida d’olhos pelas notícias é possível perceber um pouco da influência dessa formação, quando se vê não apenas a unanimidade do discurso em torno da importância de Lobato - repito, inquestionável - mas sobretudo do esvaziamento do debate que realmente interessa:

Considerando-se o teor racista de expressões adotadas em “Caçadas de Pedrinho”, como trabalhar criticamente a obra, de forma a evitar, por exemplo, “interpretações negativas” e o “reforço de preconceitos”. (Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), p.4 e p.5).

Bem, aí começa a polêmica discussão porque, primeiramente, a título de defesa do contexto e da forma, muitos não consideram que o conteúdo de “Caçadas” seja racista, a partir de justificativas as mais variadas, que vão desde as bem fundamentadas e coerentes àquelas mais rasas.

Entre as primeiras  estão as que se baseiam na comparação entre as personagens, na intencionalidade de Lobato, no fato de que a “descrição social obedece ao modelo vigente à época” ou no argumento sobre a valorização das personagens negras do livro, visto que Tia Nastácia é uma “divindade criadora” ou ainda que “Tia Nastácia e Tio Barnabé são criações maravilhosas (...) ricas de conhecimentos, doçura e sabedoria”, constituindo-se, portanto, em “personagens negras (...) generosas e lindas”.

Entre as justificativas rasas e irrefletidas estão as do próprio Ministro Haddad, que simplesmente declara "Pessoalmente, não vejo racismo" ou as de um sujeito imbuído pelo suposto saber legitimado por uma série de titulações, um tal de Jorge Maranhão, responsável pelo site A voz do cidadão (vejam a ironia!), que, não contente em achar que na obra não tem racismo, declara irresponsavelmente que “não existe racismo no Brasil”.

Imagem extraída de www.prosaepolitica.com.br
Não bastasse a desqualificação do racismo das expressões de Lobato, o foco da discussão afastou-se ainda mais da questão central do parecer, propositalmente ou por descuido de leitura, por conta do que foi considerado veto e/ou censura à obra, o que causou compreensível furor ao nosso senso democrático, contribuindo bastante para minimizar o exercício de reflexão sobre como poderíamos repensar o uso de um livro importante, mas com expressões pesadas e ofensivas à identidade de crianças negras em formação.

O excelente artigo escrito por Idelber Avelar, mestre em literatura brasileira, além de uma exposição interessante sobre a falsa polêmica em torno do suposto veto, traz para o debate o cerne da questão ao afirmar que a linguagem racista utilizada por Lobato “não vem de um ‘vilão’ da história depois punido, mas é sancionada pela obra, posto que enunciada por Emília, a personagem querida, central, convidativa à identificação”. Nesse sentido, defende que se trata de “um problema nada simples para o educador” lidar com essa situação numa sala de aula com crianças com média de 10, 11 anos e convida os que minimizam a questão a montar e expor um plano de aula a partir disso.

Ora, não é demais lembrar que, ainda que Lobato não tivesse intenção de inferiorizar o negro, para o contexto atual - felizmente - as expressões utilizadas por ele são racistas sim. O problema é que como o debate ficou centrado na polêmica sobre a anti-democracia da censura a Lobato, foram relegadas a segundo plano as discussões sobre como trabalhar esse conteúdo em sala de aula, fundamentais se considerarmos todos os problemas inerentes à educação pública atual e especialmente se se pretende contemplar a multirracialidade na formação de crianças e jovens no ensino básico. Estaria realmente o professor preparado para essa tarefa? E não sejamos ingênuos, trata-se de tarefa muito mais ampla e complexa do que contextualizar historicamente a obra e seu autor.

Posto isso, não considero, contudo, que a obra deve ser banida, como declararam alguns estudiosos militantes do Movimento Negro, porque a meu ver seria uma ação desnecessariamente radical e, além de não gostar de radicalismos extremos de nenhum tipo, não considero que ajudem muito no objetivo a que se propõem, seja ele qual for. Penso que é mais profícuo suscitar e aprofundar o debate em torno, por exemplo, do quanto avançamos em termos de leis e padrões politicamente corretos para um tratamento respeitoso mas, ao mesmo tempo, o quanto o preconceito e o racismo ainda permeiam as relações tanto de forma sutil quanto de maneira escancarada na nossa sociedade.

Haja visto, por exemplo, o desconforto ainda presente no discurso de muitos brasileiros para dizer que alguém é negro, como se isso fosse uma ofensa à pessoa. Observe-se que não é incomum a utilização da terminologia “moreno” para denominar inclusive negros de pele escura, o que me leva sempre a questionar a quê a pessoa está se referindo quando utiliza este termo na minha presença porque, de fato, não compreendo bem o que significa ser “moreno” no Brasil.

Imagem extraída de prosamagica.blogspot.com
Sem dúvida, não será difícil encontrar aqueles que acham não há nada de preconceito embutido no uso do termo “moreno”, afinal, temos várias nuances de cores de pele no Brasil, o que é verdade, mas será mero preciosismo discutir questões como essa? Será que todo mundo que se identifica ou identifica um outro como “moreno” está pensando na nossa tez multicor como algo plural e positivo? Seria mera tendência da moda a ascensão desmedida do uso da chapinha e da escova definitiva para “facilitar a vida” da mulher moderna ou isso reflete a não valorização de nossos cabelos Black porque a sociedade cada vez mais impõe um padrão de embranquecimento forçado? Será mera coincidência que propagandas de marcas caras de carros nunca tem um negro como potencial consumidor ou que as novelas da Rede Globo parecem ter elenco composto em grande parte pela população sueca?

Perdoem a minha falta de delicadeza, mas acho um pouco demais que pessoas que se pensam informadas e conectadas ao mundo não tenham a decência, o cuidado e, principalmente, o interesse em ler um pouco das informações e discussões contidas nos tantos estudos sérios já feitos sobre a temática racial no Brasil antes de sair por aí escrevendo qualquer coisa a respeito de um documento que buscava, especialmente, fazer valer a Resolução que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP nº 1/2004) - Resolução inclusive ainda não adotada e até mesmo desconhecida em muitas instituições públicas de ensino básico.

É bem verdade que nossa identidade como brasileiros está permeada por tantas nuances de cores, de reflexões, de história e de conflitos que, às vezes, fica difícil nos posicionarmos com segurança indubitável sobre quem realmente somos. Alguns não querem se declarar negros porque defendem conscientemente sua mestiçagem e, por conseguinte, não querem negar sua parte branca constituinte. Outros não querem se declarar mestiços pela força do contexto histórico em que o ser mestiço se aproximaria do ideal branco de ser. Por outro lado, não querer declarar sua cor é uma afronta porque seria não se afirmar ou se identificar com nenhum parâmetro conceitual instituído.

A meu ver, o grande problema está no fato de não discutirmos todas essas questões assumindo a complexidade do que representa a identidade de ser brasileiro. Vejam meu caso, brasileira como a maioria de nós, descendente desse Brasil negro, branco e mestiço: socialmente sou considerada branca, então não posso dizer que sou negra ou mestiça porque pareceria demagogia ou qualquer coisa que o valha. Contudo, além da ascendência negra, também não me penso branca considerando-se toda a discussão em torno do que representa o “ideal branco-europeu” no processo de construção de identidade do brasileiro. Pois bem, se nessa sociedade é um contra-senso eu dizer que sou negra, no meu entendimento, branca também não sou. E como não existe uma categoria criada na qual eu possa me encaixar, inventei uma na qual me sinto confortável em me assumir: sou brasileira não-branca.

Angeli e o Dia da Consciência Negra: dispensa comentários
Bom, para além de todas as provocações, evidentemente, não se trata apenas de como nos vemos, mas talvez muito mais de como os outros nos vêem. Nos dias mesmo que eu estava escrevendo este longo texto, uma amiga comentou que ia à delegacia fazer um B.O. contra o prédio em que ela mora na Vila Mariana, porque era a segunda vez que barravam amigos negros dela na portaria. Ela comentou comigo sobre a primeira vez, em que o amigo negro foi chamado de “moreno”, sendo solicitado a ela que fosse encontrá-lo na portaria (o porteiro achou que o moço era entregador!). Na segunda vez, a amiga negra foi barrada na portaria e perguntado a ela “onde está seu crachá?”. Como assim crachá?  Nunca ouvi dizer que imediatamente ao chegar em um prédio para visitar um amigo você dispõe de um crachá. Talvez devêssemos criar um com alguns dizeres bem malcriados direcionados a pessoas e atitudes racistas como essas.

Minha amiga desabafou, sua amiga sentiu-se profundamente humilhada, mas felizmente ambas tiveram forças para denunciar esse racismo absurdo que ainda acontece todos os dias no nosso Brasil “democraticamente racial”.


Sites consultados:

http://ultimosegundo.ig.com.br/
http://diariodonordeste.globo.com
http://www.folha.uol.com.br
http://www.d24am.com
http://bulevoador.haaan.com
http://nacaomestica.org/blog4/
http://www.bahianoticias.com.br/
http://prosamagica.blogspot.com
http://aruandamundi.ning.com/
http://www.jornaldaimprensa.com.br
http://lidebrasil.com.br

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Oração e egoísmo não combinam

Imagem extraída de http://www.alienado.net/
Desde criança frases de caminhão sempre foram objeto de minha curiosidade e interesse.

São inúmeras as categorias possíveis para agrupar os variados tipos de frases mas, por diferentes razões,  as que mais me marcaram foram aquelas de conteúdo religioso: “Segura na mão de Deus e vai”; ou que remetiam à sabedoria popular: “Vote nas putas porque nos filhos delas não deu certo”; as que buscam afirmar a heterossexualidade do mensageiro:  “Enquanto eu não encontro a mulher certa me divirto com as erradas”, ou ainda aquelas de gosto duvidoso: “Perigo não é um cavalo na pista, é um burro na direção”.

Bem, assim como os motoristas da estrada, os motoristas urbanos também costumam manifestar-se através de imagens e mensagens as mais variadas, que vão desde adesivos de desenhos animados, ícones cinematográficos e dos quadrinhos, frases politicamente corretas no cenário ecológico ou radicais daqueles que praticam esportes de aventura ou mesmo através de frases comuns ao cotidiano do trânsito, tais como “Bebê a Bordo” ou “Cuidado! Eu freio para animais”. Há ainda as que remetem a determinados universos culturais tais como “É nóis” ou, novamente, à sabedoria popular: “Deus deu a vida para que cada um cuide da sua”.

Imagem extraída de www.bloogle-motorizado.blogspot.com
Nada demais até aqui, mesmo as frases escritas com esse português torto não me incomodam, acho que elas expressam a voz de determinados grupos sociais.

Contudo, sempre me incomodo um pouco quando vejo adesivos que me levam a pensar na incoerência humana. São muito comuns os adesivos com a silhueta da Nossa Senhora juntamente com um terço. Mas junto com essa imagem não é incomum vir um motorista fazendo trapalhadas no trânsito como as que já falei aqui anteriormente.

Sim, sim, eu sei que vocês podem achar que estou confundindo as coisas e que, evidentemente, não é porque uma pessoa professa uma crença que está isenta de errar (muito, se me permitem). Assim fosse, não teríamos, historicamente e atualmente,  tantos casos escandalosos envolvendo figuras e instituições religiosas das mais variadas ordens.

Mas vejam, apesar de todos esses escândalos, não acredito que devamos perder de vista que entre errar e abusar do erro tem uma certa distância. E o que presencio muitas vezes são pessoas extremamente desrespeitosas em relação ao outro, não raro colocando a vida de outras pessoas e a deles própria em risco por conta de atitudes no trânsito como as já comentadas neste espaço.

Pode ser ingenuidade de minha parte, mas sempre pensei que pelo menos aquela máxima de amar ao próximo (com todas as implicações que isso tem) quem segue o cristianismo deveria praticar. Me parece um pouco queimar o filme de Jesus ficar por aí com um símbolo cristão no carro e agir assim, com esse desrespeito acintoso aos outros.

Imagem extraída de http://www.emule.com.br/
E por falar em cristianismo, essa semana notei um adesivo novo circulando nos carros na capital paulista. Eu já havia observado antes um ou outro desses adesivos, sem frase alguma ou com alguma coisa referente a formar uma família ou algo assim. Contudo, no carro que vi esses dias estava escrito junto à imagem “Deus proteja minha família”. (grifo meu).

Fiquei um tanto quanto indignada pensando se as outras famílias não merecem ser protegidas também. Imagino que se não for considerado família - então! - nem se fala.

Ora, vocês podem me dizer que aquela família naquele carro estava orando para si, assim como cada família e pessoa pode fazer o mesmo, ficando então todas as famílias e pessoas protegidas. É uma lógica que parece ter sentido, mas será que fazer uma oração é isso?, pedir egoisticamente algo para si e/ou para os seus e ignorar todos os outros?! E aquela essência de todas as filosofias espirituais e espiritualistas  e religiões, independente de credo ou origem, que indicam que a oração deve ser feita mais para agradecer do que pedir ou que a essência da oração deve ser altruísta e não egoísta?!

O interessante é que nenhum desses questionamentos parece mesmo ser objeto de reflexão da maior parte das pessoas, cristãs ou não, que compõem essa sociedade individualista e materialista em que vivemos. Chamou minha atenção, por exemplo, um texto que encontrei quando pesquisava imagens para este post e que versava sobre o perigo desses adesivos porque, tecnicamente, "entregam de bandeja uma família aos sequestradores" já que, segundo a autora, os seqüestradores não precisariam mais ficar vigiando para descobrir se aquela família tem filho ou filha.

Imagem extraída do site
 www.produto.mercadolivre.com
Bom, achei a idéia um pouco exagerada quando penso que a depender do tipo de seqüestro seus executores precisariam de muito mais informações do que um simples adesivo pode oferecer, mas enfim, não sou expert em seqüestros e sempre acho que muitos metropolitanos sofrem um tanto desse excesso de medo comum a quem mora em grandes centros urbanos, justificando a máxima de que todo cuidado é pouco. De qualquer forma, a meu ver isso demonstra em certa medida que o tipo de preocupação presente no cotidiano das classes médias está longe de ser a maneira como fazem suas preces ou se as mesmas estão de acordo com os preceitos gerais orientados pela matriz religiosa a que pertencem.

O fato é que, ou eu estou muito fora da realidade ou Jesus deve estar achando que não conseguiu ensinar nem o básico para muitos dos que se dizem cristãos, porque me parece que oração e egoísmo são coisas que não combinam.

domingo, 7 de novembro de 2010

TV Bus Mídia e Rede Globo nos ônibus em São Paulo: o que o usuário ganha com isso?

Já tem um tempinho que comecei aqui essa reflexão sobre o chamado serviço de mídia móvel no transporte público da capital paulistana, sendo que na primeira parte deste texto foram discutidas algumas questões sobre a inserção de TVs na maior parte dos espaços públicos freqüentados por nós hoje em dia.

Naquela altura, fiquei intrigada quando fiz um trajeto num ônibus que tinha TV: chamou minha atenção tanto a proximidade ostensiva do aparelho ao usuário que tivesse que ficar num determinado local do veículo quanto a programação veiculada, “de qualidade reconhecida no Brasil e no mundo” segundo o site oficial da TV Bus Mídia, empresa de mídia em ônibus responsável pela prestação do serviço.
(www.busmidia.com.br/quemsomos).

Basicamente, a tal programação se limitava a mostrar repetidamente cenas legendadas de todas as novelas globais - imagino que do capítulo daquele dia.

Dêem uma sacada no nível de qualidade da programação oferecida aos usuários - que já têm de enfrentar ônibus lotado, mochilas enormes que atropelam seus braços, tronco e até cabeça, motoristas (não apenas) grosseiros e mal educados, passageiros que não respeitam os assentos reservados, conversas no sense em voz bem alta ao celular, dentre outras coisas.

Vamos a alguns trechos da programação:

  • Magali chama Sofia por seu antigo nome. E a deixa desesperada.
  • Julinho conta o que Osmar pensava sobre Edgar. E o deixa abalado.

Notem que há um ponto entre as duas frases, com o objetivo de proporcionar o que eu chamaria de pausa dramática, seja, para dar um ar de gravidade à situação.

Há o grupo de frases que quando você lê fica se perguntando que importância dramática teriam essas situações na vida real:

  • Viviane pede para Antônia deixá-la levar o chá para Ricardo.
  • Clotilde surpreende Jaqueline com sua eficiência.
  • Edgar encontra Marcela olhando a foto de Renato. 

Há ainda o grupo de legendas que parecem revelar, mais do que o conteúdo dramático do enredo, que as personagens se assemelham a pessoas da vida real

  • Clara se assusta ao quase atropelar Danilo.
  • Felícia fica arrasada quando sua mãe a menospreza. 

Ou seja, imagino que qualquer pessoa se assustaria ao quase atropelar alguém ou que qualquer filha ficaria arrasada se desprezada pela mãe. De fato, ao contrário da qualidade propagandeada pela TV Bus Mídia, o próprio diretor de multiplataforma e promoções da Rede Globo, Jorge Rosa, afirmou que o conteúdo exibido nos ônibus é chamado de embalado, sendo composto por “resumos das quatro principais novelas globais e por notícias frias”.

Pois bem, relatando agora a questão para vocês essa situação pode parecer sem graça, mas o fato é que naquela ocasião causou-me estranheza pensar sobre o porquê de haver TVs com tal programação nos ônibus de São Paulo já que, na minha ingenuidade, por ser transporte público o usuário deveria ser beneficiado.

Fui então pesquisar tentando encontrar que benefícios o usuário teria com isso e descobri que em janeiro deste ano já eram 985 o número de veículos em São Paulo transmitindo conteúdo monopolizado pela TV Bus Mídia, BusTV e TVO. Também descobri que estou equivocada quanto à utilização do termo TV, visto que é uma mídia “criada especialmente para a situação em que o público está dentro do ônibus se deslocando pela cidade”, constituindo-se, segundo o diretor da TVO, em uma mídia móvel digital, engrossando a fileira das mídias ‘out-of-home’, cada vez mais presentes na vida das pessoas.

Independente de ser TV ou mídia móvel, o fato é que desde 2007 a TV Bus Mídia veicula programação nos ônibus de São Paulo. Contudo, a parceria com a Rede Globo permite atualmente à TV Bus Mídia cobrar a bagatela de 140 mil reais pelo tempo de 30 segundos, com direito a veiculação do anúncio em 250 ônibus. Os anunciantes não reclamam, visto que terão espaço em meio a programas “de grande audiência e fidelidade do público brasileiro” e de “grande credibilidade”, além da garantia de atingir a cifra de 6 a 7 milhões de pessoas em um momento de mínima dispersão.
(www.busmidia.com.br/programação)

A SPTrans também fatura, deixando de transferir às empresas de ônibus o equivalente a sete tarifas do transporte público para cada anúncio veiculado em um coletivo.

Como já era de se esperar, parte do faturamento publicitário alcançado pela TV Bus Mídia vai para a Rede Globo. Aliás, para o diretor da BusTV, João Pedro Nogueira Neto, a emissora pode ser anunciante de si mesma nos ônibus. E sem gastar nada com isso.

É interessante observar que na portaria publicada no Diário Oficial consta que o conteúdo transmitido em mídia televisa nos ônibus de São Paulo deverá ser “preferencial para mensagens de caráter institucional, de campanhas educativas e de utilidade pública promovidas pela Prefeitura”.

O projeto chamado de TV em movimento, implantado em Dourados/MS em 2006, também previa, segundo o empresário responsável pela patente no Brasil, Alberto Carlos Sanguine, o investimento em uma programação educativa. “Serão veiculados dicas de segurança, telefones úteis e materiais culturais”, disse ele em entrevista à época da implantação do sistema em Dourados.

Bom, não é algo tão surpreendente descobrir no Brasil o quanto projetos são descaracterizados de sua proposta inicial ao longo de sua implantação e concretização.

Ora, quando comecei este texto expus meu estranhamento quanto ao fato de haver veiculação de programas da Rede Globo no sistema público de transporte. Queria entender que benefício tem o usuário dos coletivos com esse serviço e o que encontrei que chega mais perto disso é uma fala da assessoria de imprensa da SPTrans, que afirma que “o objetivo até o momento é oferecer informação e entretenimento para o usuário do sistema de transporte coletivo da cidade”.

Imagem extraída de http://www.anprotec.org.br/
Pois bem, no tempo razoável que passei dentro do ônibus que tinha TV não vi informação alguma e quanto ao entretenimento, acho que evidenciei aqui alguns elementos que demonstram a natureza da qualidade da programação, bem diferente da alardeada pelas diversas empresas envolvidas na parceria.

Assim, continuo com a impressão de que todo o mundo (empresarial) está ganhando, mas ainda mantenho o questionamento que fiz quando saí do ônibus naquele dia, o que o usuário ganha com isso?


Fontes consultadas:

http://www.direitoacomunicacao.org.br/
http://www.busmidia.com.br/
http://veja.abril.com.br/
http://www.sptrans.com.br/midia/
http://www.estadao.com.br/
www.tresmeios.com.br/
http://www.anprotec.org.br/