domingo, 7 de novembro de 2010

TV Bus Mídia e Rede Globo nos ônibus em São Paulo: o que o usuário ganha com isso?

Já tem um tempinho que comecei aqui essa reflexão sobre o chamado serviço de mídia móvel no transporte público da capital paulistana, sendo que na primeira parte deste texto foram discutidas algumas questões sobre a inserção de TVs na maior parte dos espaços públicos freqüentados por nós hoje em dia.

Naquela altura, fiquei intrigada quando fiz um trajeto num ônibus que tinha TV: chamou minha atenção tanto a proximidade ostensiva do aparelho ao usuário que tivesse que ficar num determinado local do veículo quanto a programação veiculada, “de qualidade reconhecida no Brasil e no mundo” segundo o site oficial da TV Bus Mídia, empresa de mídia em ônibus responsável pela prestação do serviço.
(www.busmidia.com.br/quemsomos).

Basicamente, a tal programação se limitava a mostrar repetidamente cenas legendadas de todas as novelas globais - imagino que do capítulo daquele dia.

Dêem uma sacada no nível de qualidade da programação oferecida aos usuários - que já têm de enfrentar ônibus lotado, mochilas enormes que atropelam seus braços, tronco e até cabeça, motoristas (não apenas) grosseiros e mal educados, passageiros que não respeitam os assentos reservados, conversas no sense em voz bem alta ao celular, dentre outras coisas.

Vamos a alguns trechos da programação:

  • Magali chama Sofia por seu antigo nome. E a deixa desesperada.
  • Julinho conta o que Osmar pensava sobre Edgar. E o deixa abalado.

Notem que há um ponto entre as duas frases, com o objetivo de proporcionar o que eu chamaria de pausa dramática, seja, para dar um ar de gravidade à situação.

Há o grupo de frases que quando você lê fica se perguntando que importância dramática teriam essas situações na vida real:

  • Viviane pede para Antônia deixá-la levar o chá para Ricardo.
  • Clotilde surpreende Jaqueline com sua eficiência.
  • Edgar encontra Marcela olhando a foto de Renato. 

Há ainda o grupo de legendas que parecem revelar, mais do que o conteúdo dramático do enredo, que as personagens se assemelham a pessoas da vida real

  • Clara se assusta ao quase atropelar Danilo.
  • Felícia fica arrasada quando sua mãe a menospreza. 

Ou seja, imagino que qualquer pessoa se assustaria ao quase atropelar alguém ou que qualquer filha ficaria arrasada se desprezada pela mãe. De fato, ao contrário da qualidade propagandeada pela TV Bus Mídia, o próprio diretor de multiplataforma e promoções da Rede Globo, Jorge Rosa, afirmou que o conteúdo exibido nos ônibus é chamado de embalado, sendo composto por “resumos das quatro principais novelas globais e por notícias frias”.

Pois bem, relatando agora a questão para vocês essa situação pode parecer sem graça, mas o fato é que naquela ocasião causou-me estranheza pensar sobre o porquê de haver TVs com tal programação nos ônibus de São Paulo já que, na minha ingenuidade, por ser transporte público o usuário deveria ser beneficiado.

Fui então pesquisar tentando encontrar que benefícios o usuário teria com isso e descobri que em janeiro deste ano já eram 985 o número de veículos em São Paulo transmitindo conteúdo monopolizado pela TV Bus Mídia, BusTV e TVO. Também descobri que estou equivocada quanto à utilização do termo TV, visto que é uma mídia “criada especialmente para a situação em que o público está dentro do ônibus se deslocando pela cidade”, constituindo-se, segundo o diretor da TVO, em uma mídia móvel digital, engrossando a fileira das mídias ‘out-of-home’, cada vez mais presentes na vida das pessoas.

Independente de ser TV ou mídia móvel, o fato é que desde 2007 a TV Bus Mídia veicula programação nos ônibus de São Paulo. Contudo, a parceria com a Rede Globo permite atualmente à TV Bus Mídia cobrar a bagatela de 140 mil reais pelo tempo de 30 segundos, com direito a veiculação do anúncio em 250 ônibus. Os anunciantes não reclamam, visto que terão espaço em meio a programas “de grande audiência e fidelidade do público brasileiro” e de “grande credibilidade”, além da garantia de atingir a cifra de 6 a 7 milhões de pessoas em um momento de mínima dispersão.
(www.busmidia.com.br/programação)

A SPTrans também fatura, deixando de transferir às empresas de ônibus o equivalente a sete tarifas do transporte público para cada anúncio veiculado em um coletivo.

Como já era de se esperar, parte do faturamento publicitário alcançado pela TV Bus Mídia vai para a Rede Globo. Aliás, para o diretor da BusTV, João Pedro Nogueira Neto, a emissora pode ser anunciante de si mesma nos ônibus. E sem gastar nada com isso.

É interessante observar que na portaria publicada no Diário Oficial consta que o conteúdo transmitido em mídia televisa nos ônibus de São Paulo deverá ser “preferencial para mensagens de caráter institucional, de campanhas educativas e de utilidade pública promovidas pela Prefeitura”.

O projeto chamado de TV em movimento, implantado em Dourados/MS em 2006, também previa, segundo o empresário responsável pela patente no Brasil, Alberto Carlos Sanguine, o investimento em uma programação educativa. “Serão veiculados dicas de segurança, telefones úteis e materiais culturais”, disse ele em entrevista à época da implantação do sistema em Dourados.

Bom, não é algo tão surpreendente descobrir no Brasil o quanto projetos são descaracterizados de sua proposta inicial ao longo de sua implantação e concretização.

Ora, quando comecei este texto expus meu estranhamento quanto ao fato de haver veiculação de programas da Rede Globo no sistema público de transporte. Queria entender que benefício tem o usuário dos coletivos com esse serviço e o que encontrei que chega mais perto disso é uma fala da assessoria de imprensa da SPTrans, que afirma que “o objetivo até o momento é oferecer informação e entretenimento para o usuário do sistema de transporte coletivo da cidade”.

Imagem extraída de http://www.anprotec.org.br/
Pois bem, no tempo razoável que passei dentro do ônibus que tinha TV não vi informação alguma e quanto ao entretenimento, acho que evidenciei aqui alguns elementos que demonstram a natureza da qualidade da programação, bem diferente da alardeada pelas diversas empresas envolvidas na parceria.

Assim, continuo com a impressão de que todo o mundo (empresarial) está ganhando, mas ainda mantenho o questionamento que fiz quando saí do ônibus naquele dia, o que o usuário ganha com isso?


Fontes consultadas:

http://www.direitoacomunicacao.org.br/
http://www.busmidia.com.br/
http://veja.abril.com.br/
http://www.sptrans.com.br/midia/
http://www.estadao.com.br/
www.tresmeios.com.br/
http://www.anprotec.org.br/

4 comentários:

Renato disse...

A Prefeitura DEMo e a Rede Glovo não veem o usuário dos ómnibus como cidadãos, mas como consumidores. Portanto, vendo mais televisão, consumirão mais.

Carlos Bessa disse...

É...! Eu concordo com você.
Infelizmente os usuários de ônibus não têm sido felizes na profusão de conteúdo midiático que lhes é servida!
Por outro lado o pessoal que transita de metrô tem sido melhor beneficiado, até porque a emprêsa que explora a publicidade no metrô é outra, o seu nome é TV MINUTO http://www.tvminuto.com.br/
dá uma olhadinha neste site que também reproduz o mesmo conteúdo não sei se em tempo real, para fazer a sua avaliação.
Beijos & Abraços
Carlos Alberto Bessa

Rafa Araújo disse...

Recentemente peguei o ônibus da linha Cidade Universitária-Jaçanã com minha mãe. Até mesmo ela, que é noveleira de carteirinha, achou totalmente desnecessário uma mídia móvel passar cenas de novela com legendas do tipo "Carla diz a verdade a Fábio e este fica surpreso". Realmente a TV Minuto é muito mais útil e inteligente, com informações culturais ótimas, como dicas de cinema, teatro, exposições, saúde, emprego, dentre outros. Felizmente a Rede Globo ainda não se interessou em vender seus programas de péssima qualidade através da mídia do metrô!

Jany Canela disse...

Meninos, concordo com vocês sobre a diferença de conteúdo entre o serviço oferecido nos ônibus em São Paulo e no Metrô, contudo, Rafa, creio que não se trata apenas do interesse da Rede Globo (ou Rede Bobo, como gosto de denominar essa emissora) em vender seus programas; acho que se trata mais de como empresas como a SPTrans e o Metrô, que prestam serviço público à população, entendem a responsabilidade da prestação desse serviço enquanto serviço público e de como enxergam as pessoas enquanto cidadãos.

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