sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Oroborus, Fênix, Recomeços e Feliz 2011

Oroborus. Imagem extraída de lunarosa.multiply.com
Bom, quem me conhece sabe que não sou muito dada a romantismos e pieguices, mas acho que nem minha acidez costumeira sai ilesa da influência desse clima de final de ano, bastante propício ao sentimento de reflexão e da sensação da possibilidade de recomeço.

Estava ainda querendo escrever algo para finalizar o conjunto de textos deste ano no blog pois, também quem me conhece, sabe o quanto de carinho tenho por este espaço de expressão e de partilha do que penso.

Conversando com um amigo mui querido sobre isso, ele, que é conhecedor de música e de cultura como poucos, me falou que achava bom o fato de o ano terminar sem ter cumprido todas as metas propostas no início, porque um ano novo que começa oferece essa possibilidade; aí ele falou sobre a oroborus, serpente que engole a própria cauda e é símbolo do ciclo de eterna renovação da vida. Na mesma hora pensei na fênix, pássaro mítico conhecido por seu renascimento das cinzas.

Assim, fiquei pensando no quanto nos é vital essa renovação, de iniciarmos novos ciclos finalizando e fechando outros. O Universo demonstra isso sabiamente todos os dias e noites. Ao mesmo tempo, é interessante observar como há um imaginário coletivo e talvez até arquetípico em que mitologia, religião, espiritualidade e culturas múltiplas se intermisturam e se alimentam de uma maneira fascinante.

Vejam que a oroborus pode ser encontrada em culturas diversas e distantes no tempo e espaço, mas sempre conservando um significado singular de representação do infinito, da imortalidade, da eternidade e do renascimento. Da mesma forma, o renascer é simbolizado pela fênix que, por conta desse conceito de negação da morte, teria sido adotada no início da tradição cristã como representação da ressurreição e da imortalidade. Encontrei, inclusive, várias referências que indicam similaridades entre o mito da fênix e a história do nascimento, morte e ressurreição do Cristo.

Com isso, quero voltar à idéia do quanto nos é vital o ciclo de renovação, a possibilidade de recomeçar, e o quanto isso nos constitui enquanto seres desejosos de podermos reconstruir, refazer, fazer diferente, recompor, enfim, o quanto nos é necessário sonhar, acreditar.

Fênix chinesa. Imagem extraída de sites.google.com
Vejo sem entusiasmo parte dos votos mais comuns entoados nessa época, devidamente inspirados no já tradicional "muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender", bastante apropriado ao senso prioritariamente materialista da nossa sociedade, mas sem brilho, na minha opinião, quando penso no sentido mais amplo e profundo das possibilidades do que pode renascer em um ano novo, do que pode ser transformado nesse ciclo vital de recomeço.

Assim, desejo saúde a todos nós, não para dar e vender, mas para que se possa viver bem, porque como dizem os antigos, o importante é ter saúde, porque "no resto a gente dá um jeito".

Aos que vivem no mundo adulto, desejo que possamos nos preocupar mais em como usufruir do nosso tempo ocioso do que com a falta de tempo para fazer coisas que gostaríamos.

A quem tem amigos, desejo que sejam felizes como eu sou, porque tenho amigos que amo e que retribuem meu amor. Desejo, assim, que possamos ter muitos e muitos momentos partilhados com amigos queridos, porque existem poucas coisas tão prazerosas quanto viver perto de amigos verdadeiros.

Por fim, desejo aos pais e mães como eu que possamos ter mais e mais momentos com nossos filhotes, muito mais do que eles têm para ficar no computador e/ou na televisão. Desejo, além disso, que saibamos cada vez mais equilibrar muito amor com os limites necessários para que eles cresçam sentindo-se seguros e independentes. Desejo, sobretudo, que tenhamos sabedoria para saber que, mais importante do que roupas e sapatos da moda, brinquedos e tralhas eletrônicas de última geração e afins, o que realmente faz uma criança feliz é carinho e atenção e ser feliz ainda é o que realmente importa na vida. 

Feliz 2011!
Jany



Sites consultados:

http://recantodasletras.uol.com.br
http://somostodosum.ig.com.br
http://www.coacyaba.com.br
http://lunarosa.multiply.com

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Consumismo e outros "ismos", espírito de natal e sociedade contemporânea

Imagem extraída de socialismoclassemedia.tumblr.com
Hã, deixa eu adivinhar, você começou a leitura desse texto influenciado por essa imagem um tanto quanto inadequada ao espírito natalino, certo? Pois bem, achei o subtexto aí contido  bastante oportuno como provocação para o que pretendo desenvolver neste texto.

Na verdade, acho que não é mais novidade e chega mesmo a ser senso comum a discussão sobre o fato de que a data rendeu-se há tempos ao afã do consumismo característico da nossa sociedade exacerbadamente capitalista ou, como diriam alguns revoltados da década de 80, do capitalismo selvagem. Bom, quem me conhece sabe que não faço muito bem as vezes da hipocrisia então não vou polemizar sobre o Natal como se em minha vida nada acontecesse de acordo com alguns dos rituais desse evento cristão consagrado supremo nessa época do ano. Como a maioria das famílias brasileiras com formação católico-cristã, ao estar com meus familiares no final de ano, compartilho da clássica ceia de natal, abraço todos retribuindo o Feliz Natal e só não há troca de presentes porque, além de a família ser muito grande, ainda consigo manter meu desprendimento e não comprar presentes, ainda que a contragosto dos meus, sempre inconformados com meu radicalismo pouco adequado para esta época festiva.

Apesar desse comportamento chatinho em relação à compra de presentes, faço papel de boa menina no restante do cerimonial, mas vou segredar para vocês algumas coisinhas que me incomodam.

A primeira delas é essa abordagem do Natal como se todas as pessoas comungassem da mesma crença. Talvez seja ingenuidade de minha parte, mas assim como não somos todos heterossexuais ou brancos também não somos todos cristãos e ainda que o mundo ocidental seja, em teoria, majoritariamente cristão, acho muito estranho que uma sociedade que se pensa civilizada não tenha estratégias que permitam emergir a pluralidade de nossas crenças.

A seguir, me incomoda muito observar o quanto o chamado espírito de natal, que em gênese seria uma referência ao amor e à fraternidade, aparentemente se perdeu em meio às compras em shoppings e ruas lotados de consumidores frenéticos na busca por objetos que imaginam capazes de preencher seus corações e os corações de quem amam com esse ideal de sentimento abstrato de que todos falam e pensam partilhar nessa época.

O intrigante é que não me parece que as pessoas se entristeçam verdadeiramente com cenas que, imagino em minha já conhecida ingenuidade, deveriam entristecer pessoas imbuídas do espírito natalino, afinal, o nascimento do Senhor deveria trazer esse olhar para os que já perderam a esperança e a fé, não é assim?

Mas queiram perdoar a minha falta de compreensão. Talvez eu devesse ser mais razoável porque com tanta correria no final de ano, tantos compromissos e a superlotação cada vez maior de lojas, dificultando a compra dos presentes de Natal,  realmente fica difícil se atentar (quanto mais se entristecer com isso!, vejam a minha falta de bom senso) à grande quantidade de pedintes, crianças inclusive, ou ao aumento visível de pessoas vendendo ou mendigando nos faróis, idosos muitos, a quem parece que a aposentadoria e a família não chegaram após anos de trabalho a fio.

Ora, é muito provável que essas cenas e situações já estejam tão incorporadas ao nosso cotidiano de pessoas que vivem numa grande metrópole que tenhamos chegado à cômoda conclusão de que não podemos mesmo fazer nada, afinal, trata-se de um problema de ordem social muito maior do que pode dar conta a nossa humilde alçada.

De fato, concordo que o número de pessoas que hoje vive nas ruas e das ruas é muito maior do que um sujeito cristão médio empolgado com o Natal poderia prestar atenção em meio ao cotidiano espremido do final de ano e talvez essa nem seja a principal questão séria a ser trazida à baila. Mas
Imagem extraída de http://www.obrainstormer.blogspot.com/
considero que é um bom exemplo, dentre muitos outros, que poderiam ser tratados em um texto como esse, desgostoso e ácido demais para o atual momento de doçura natalina.

Vejam, também não estou remoendo assunto tão batido só para ser estraga-prazeres da alegria dos que sentem dentro de si um diferencial por estarem vivenciando genuinamente o espírito natalino. Contudo, quando nessa época ouço todos os dias apelos comerciais que incitam o consumo pelo consumo ou que relacionam* diretamente o consumo ao bem-estar e à felicidade fico pensando que não é de todo inútil essa reflexão às voltas com nossa imersão nesse confuso misto de individualismo, materialismo, consumismo e suposto amor fraterno que compõem atualmente o espírito natalino.


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*Por exemplo, “Shopping Vila Olímpia, tudo que te faz bem” ou “Pão de Açúcar, lugar de gente feliz”.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Por que traição dói tanto?

Estava às voltas com um texto que pretendo escrever sobre o estudante morto no campus da USP semana passada quando fui atingida por uma história recente de traição. A questão me incomodou de tal forma e me deixou tão impactada que não pude conter meu desejo de passar para a escrita, imediatamente, algumas linhas sobre isso. Como muita coisa nesse blog sai fora de hora mesmo, seguramente ainda volto a minha reflexão sobre a morte do estudante Samuel de Souza.

Cena do filme Edukators, Alemanha, 2004.
Pois bem, como eu dizia, uma história recente de traição me fez pensar um pouco sobre o porquê sofremos tanto quando nos deparamos, muitas vezes não sem surpresa, com a traição de alguém que amamos.

Seria devido à forma como nos relacionamos, ou seja, dentro da tão clássica relação de exclusividade, que quando quebrada nos traz esse sentimento de que fomos traídos? Seria a sensação de que a outra pessoa é melhor que nós, essa sensação vergonhosa de baixa estima? Seria orgulho ferido, por nos sentirmos insuficientes em tudo o que pretendemos contemplar na satisfação pessoal, amorosa e sexual da pessoa com quem estamos? Seria a sensação besta de que perdemos o jogo para alguém?

Realmente não sei, talvez não seja nada disso, sejam outras coisas ou seja um pouco de tudo isso ao mesmo tempo, mas o fato é que tanto homens quanto mulheres ficamos atordoados com uma traição, independente de como consigamos lidar com a dor que isso causa, o fato é que traição causa dor.

O que me impressiona ao pensar nessa questão é como realmente somos complicados porque me parece que, após milhares de anos nos relacionando amorosamente, ainda não conseguimos abrir mão de certos padrões que sabemos não funcionar muito bem. É assim que insistimos, por exemplo, nos pactos de exclusividade eternos, como se fosse possível prever para todo o sempre que jamais nos interessaremos por outras pessoas ao longo de nossas vidas, tão pouco intensas no mundo contemporâneo, não é mesmo?

Vejam, não quero parecer leviana, como se fosse impossível dedicar amor e fidelidade a apenas uma pessoa, mas falo da insanidade existente em muitos relacionamentos amorosos, nos quais a título dessa pretensa exclusividade e fidelidade tenta-se controlar não apenas os atos e a liberdade do outro como também as amizades que pode (ou não) ter, o estilo de vida, em suma, grande parte de suas escolhas, num total desrespeito à privacidade e à individualidade, elementos centrais de nossa dignidade enquanto sujeitos. O mais triste é que, segundo uma grande terapeuta que conheço, esse tipo de descontrole emocional em um relacionamento é bem mais comum do que se imagina para uma sociedade tão democrática, moderna e civilizada quanto a nossa.

Mas suponhamos que o relacionamento seja saudável, que os dois indivíduos envolvidos se respeitam enquanto sujeitos em sua individualidade e liberdade, que escolheram conscientemente estar juntos (sim, porque há pessoas que parecem estar obrigadas a ficar com alguém, como se isso garantisse a felicidade dos filhos, o término das contas e das dívidas ou os bens materiais fossem razão suficiente para abrir mão da própria felicidade) - e que, na consciência dessa escolha e da implicação do que chamo de pacto de exclusividade, entendem que se amam.

Talvez minha impactação com a história que eu soube advenha exatamente do fato de que nada disso garante que a traição não aconteça e, talvez também por isso, a dor e o atordoamento sejam tamanhos. Porque, no fundo, ninguém está preparado para sentir-se enganado, que é basicamente o sentimento gerado por uma traição quando estamos numa relação como a que acabei de citar.

E, nesse sentido, creio que a relação entre traição e sentimento de ter sido enganado pode ser transposta para a maior parte dos relacionamentos, seja de amor, de amizade, fraternal entre pais e filhos, irmãos etc. Ninguém gosta de ser enganado, é ruim sentir, ainda não sendo a verdade, que talvez não sejamos tão importantes quanto gostaríamos para alguém e, ainda que dificilmente seja essa a razão principal de uma traição, é impossível para um espírito magoado compreender o que leva alguém que se ama a cometer um ato de enganação.

Cena do filme Edukators, Alemanha, 2004.
A solução seria o diálogo franco e aberto? Dizer ao outro, no caso de seu amor, que se está interessado numa terceira pessoa, ou que se fará uma escolha não muito aceita para o padrão de educação recebida, no caso dos pais, e assim por diante? A verdade é que, na maior parte dos casos, esse caminho também parece pouco viável. Fico pensando se quando decidi viver minha vida sexual livremente tivesse comunicado aos meus pais o quanto isso talvez tivesse chocado mais do que quando fiquei grávida e optei por não me casar. 

Da mesma forma, vejo o quão difícil e trabalhoso é construir um relacionamento aberto e já presenciei casais genuinamente poliamorísticos com crises por causa de uma terceira pessoa que entrou no relacionamento provocando o sentimento de traição.

De fato, parece muito complicado equacionar amor e liberdade quando penso o quanto de possessividade, insegurança e egoísmo nos constituem enquanto seres humanos complexos e incoerentes na nossa forma de amar e manifestar o amor.

Cena do filme Edukators, Alemanha, 2004.
Se você já leu outros textos deste blog talvez tenha reparado que sempre tento finalizar minhas reflexões com um tipo de 'fechamento'. Pensei bastante e não consegui encontrar nada que fechasse de maneira satisfatória as questões que me trouxeram a esse texto. Talvez seja porque a experiência da dor de uma traição é algo tão particular quanto as possíveis razões que, em nossa dor, podemos especular tentando compreender essa traição. Confesso que jamais consegui compreender bem as traições que sofri ou as que cometi, mas sei que a dor, tanto provocada quanto sentida, só se esvaiu quando foi possível (re)colocar em seu lugar sentimentos de respeito e de amizade.